sábado, 9 de dezembro de 2017

EU QUERIA SER COXINHA



Sério, queria sim. Muito.

Queria ser uma pessoa que assiste a Rede Globo e admira o Jornalismo "imparcial" e democrático da emissora, que lê e assina a Veja, para o encanto de amigos que me chamariam de 'culto' e 'diferenciado'; uma pessoa que entra nas redes sociais pra mostrar aos manipulados e alienados petralhas, que Lula não fez nada além de roubar 300 milhões de Euros do povo brasileiro e de comprar metade do país em terras para seus filhos (um deles dono da Friboi, de uma Ferrari de ouro, de Búzios, Angra, de cinco ilhas, 23 mansões com privadas de ouro, 12 iates) e até de um túnel que liga São Bernardo à Brasília!

Eu poderia dizer - sem medo de ser feliz - que o ex-Presidente Lula, inventou a Luta de Classes para transformar este paraíso tropical em uma sucursal do inferno de tanta corrupção (acreditando que a mesma também é uma criação do PT e que se houve roubalheira em períodos anteriores, como na "'Revolução' de 64", era de futuros petistas disfarçados, que voltaram no tempo para deturpar a política brazuca em sua origem).

Queria ser coxinha poder entrar nas redes e fazer piadinhas com negros e dizer: "não sou racista não, tenho até um amigo que é 'moreninho'" e, claro, cheio de sinceridade legítima no músculo cardíaco.

Imagina, poder dizer que não existe machismo nem feminicídio em nosso país, que isso é tudo mimimi de Mulher da vida que - com certeza - chifrou o marido/noivo/namorado e que agora está tão somente pagando pelo que fez... E dizer isso sem peso na consciência.

Queria ser coxinha, ter votado no PSDB desde sempre e depois não ter a vergonha de apontar que o
problema do Brasil é a péssima Educação pública, aliás, poderia votar no PSDB e sair dizendo que não tenho bandido de estimação e que os tucanos são exemplos de homens de sucesso, que cresceram na vida por pura meritocracia, como muitos de seus eleitores. Poderia dizer a um miserável que não lhe daria nem 1 Real porque estaria estimulando a vagabundagem e que ele deveria tomar um banho e ir á luta, como eu fiz.

Queria ser coxinha para acreditar no discurso da Meritocracia à brasileira, onde não se enxerga que algumas pessoas saem em vantagem em relação as outras, fechando os olhos à realidade.
Queria afirmar que a política de cotas é a institucionalização do racismo em nosso país, que as minorias devem se curvar à maioria e que Mulher que anda de shortinho, sandália de salto alto, batom e unhas vermelhas está - sem dúvida - pedindo para ser estuprada e não me sentir o pior dos seres humanos por pensar assim. Acreditar que o lugar da Mulher é em casa cuidando dos filhos, esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque.

Queria ser coxinha pra encher a boca pra me dizer Cristão, enquanto apóio a tortura e a pena-de-morte e digo pra quem quiser ouvir que a Mulher não tem capacidade para decidir se aborta ou não... E, claro, que a minha opinião de macho é a que deve prevalecer, sempre. Queria ser coxinha pra poder ditar o que é uma família e ridicularizar, tripudiar outras concepções e citar a Bíblia em meus discursos de ódio. Queria dizer a plenos pulmões: Homem casa com Mulher e Mulher com Homem! Tudo o mais não passa de aberração! E claro, queria poder dizer que defendo a família brasileira enquanto traio a esposa com as mais variadas Mulheres (quem sabe até com Homens!), dou em cima das esposas de amigos e tenho 3 filhos com três ex-empregadas domésticas e não me importaria em jamais ter contato com esses filhos e até mandaria para outra cidade, dando dinheiro para que elas não aparecessem - nunca mais - na minha vida.

Queria ser coxinha para acreditar piamente na "Ideologia de Gênero", esse mal que os marxistas tentam espalhar pelo mundo, corrompendo nossas crianças na mais tenra infância... Imagina, poder calar a boca desses comunistas que estreitam seus olhos sobre nossos filhos e filhas para doutriná-los a negar sua essência de machos e princesas prendadas.

Queria ser coxinha pra ganhar mais do que preciso e ainda achar que é pouco e condenar programas
que dão sustento para o gado do PT e ainda chamaria de Bolsa-Esmola, pois seria esmola mesmo, pois o dinheiro que uma família teria para gastar durante um mês, seria o que eu gostaria num bar com amigos coxinhas que destratam o garçom ou criam falsa intimidade com eles, para - pelas costas - chamá-los de jumentos por votarem em Lula.

Queria apoiar Aécio Neves contra a corrupção desenfreada do único partido político corrupto do país, o PT e desqualificar filósofos renomados com a máxima: "chóla mais seu comunista vagabundo!" Queria ser coxinha pra poder dizer em alto e bom som: "Somos milhões de Cunhas!" sem o menor pudor, sem o menor embaraço pela minha triste condição.

Eu queria ser coxinha para gritar: BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO! E ser admirado por isso... Eu queria ser coxinha para acreditar que os problemas do Brasil serão resolvidos com meia-dúzia de frases feitas lançadas ao vento. Eu queria ser coxinha para ter entre meus amigos os racistas, os misóginos, os machistas, os fanáticos, os neo-nazistas ("WhitePardos") e fascistas e acreditar que posso votar em candidatos com os quais essa gente se identifica, mas me manter incólume, limpinho e cheiroso. E, de quebra, ser querido pelos coxinhas tapuias.

Eu queria ser coxinha para viver bem com o meu preconceito em relações as religiões de matriz africana.

Queria ir às ruas contra a corrupção sendo conduzido por corruptos e no meio deles, estender-lhes a mão e pedir para tirar selfies. Queria poder levar meus filhos às manifestações de "cidadãos de bens", mas sendo levados pela babá, devidamente uniformizada... Ah, como eu queria me vestir de verde e amarelo, com o símbolo da proba CBF no peito e entoar malemá o Hino Nacional enquanto bato continência aos Policiais da Tropa de Choque, dizendo a eles que eles tem mesmo que soltar a mamona na rapaziada que se veste de vermelho, mesmo no velho batuta que surge tentando "marxizar" nosso Natal. Ah, eu poderia me dizer patriota e silenciar enquanto vejo o entreguismo estabelecido e transferindo nossas riquezas para os estrangeiros, num vergonhoso silêncio sepulcral; queria ser coxinha para poder divulgar o plano de dominação global do comunismo mundial, escondido nas garrafas de Coca-Cola, no maço do Marlboro e no Santander.

Queria poder chamar Professores de vagabundos e os sem-terra de terroristas de Satã, aplaudir toda e qualquer violência contra ambos... E claro, com um sorriso estúpido nos lábios.

Queria poder dizer que Bolsonada é a solução para o Brasil, que o negócio é armar todos os cidadãos de bens do nosso país, para que possam combater o sentimento de insegurança pública com uma faixa vermelha na testa e calça camuflada ou, quem sabe, posando de Agente do FBI de filmes e seriados que assisto; queria a pena-de-morte, a redução da maioridade penal para 8 anos, pois só assim salvaríamos as futuras gerações.

Queria ser coxinha para falar mal da Educação Pública brasileira, mas não mover uma palha para cobrar respeito ao nosso dinheiro, mas sempre que estiver discutindo política, falar como se fosse a única pessoa do mundo a tomar alguma atitude; queria ser coxinha para defender o fim das escolas públicas e bradar sem medo de ser feliz: "Quer estudar? Pague! Não tem dinheiro? Vai trabalhar, vagabundo!" E estender esse pensamento à Saúde pública.

Queria ser como os coxinhas e pedir a volta da Ditadura Militar, o retorno a um período que acreditaria - de verdade - ter sido maravilhoso, onde não existia o menor traço de corrupção, muito menos tortura, assassinatos e desaparecimentos, no máximo umas unhazinhas arrancadas aqui e a ali; eu diria que isso não tem nada demais e que economizariam no esmalte e não me sentiria mal de dizer um absurdo desses!

Queria ser coxinha para citar o Filósofo do Zodíaco, Olavo de Carvalho sem medo de me sentir um b*sta; queria ser coxinha para - sem vergonha - ter apoiado um Golpe de Estado, ter sido utilizado como massa de manobra pelos os piores e mais sujos políticos do planeta e depois ter a pachorra de dizer que a culpa é dos petistas e que eles votaram no Temer.

Queria ser coxinha para dizer aos quatro ventos que o Juiz Sérgio Moro é o maior homem do Brasil,
digníssimo, capaz, um solitário guerreiro contra a corrupção e não me sentir um perfeito estúpido. Queria poder assistir ao depoimento de Tacla Durán, tapar os ouvidos e gritar que Moro é o Rei do Brasil, o terror dos corruptos e que o caso do Banestado é só mais uma das mentiras petistas. E sem me sentir infantil! Queria ser coxinha para lançar "comunista", "petralha", "gayzista", "vai pra Cuba" em discussões adultas e chamar os demais de pombos sem compreender que todo mundo já percebeu que no final das contas, sou eu que c*go no tabuleiro.



Queria ser coxinha para endeusar Lobão, Sheherazade e Roger e, sem ficar vermelho, dizer que são
nossos maiores intelectuais e fazer de conta que não entendo o perigo que realmente representam à já combalida Democracia do país e, claro, sem o menor traço de culpa. Queria ser coxinha para difundir postagens do MBL, Vem pra Rua - ou mesmo do finado Revoltados on Line com toda a pompa e circunstância, alardeando para o mundo, a importância desses grupos probos de pessoas tão abnegadas, que tanto amam nosso país e se preocupam com nosso povo mais sofrido e que lutam pelo trabalhador, sem passar atestado de ignomínia profunda.

Eu queria sim, ser um coxinha, pra falar todo esse infindável mar de barbaridades e ainda assim ser aceito pelo pessoal do andar de cima, ganhando mil likes a cada besteira proferida com ar solene. Eu queria ser coxinha para andar com gente que não consegue compreender a profundidade abissal das bobagens que diria e que me aplaudiriam efusivamente, cheios de orgulho.

Eu queria ser coxinha, mas - graças ao bom Deus - eu estudei e tive bons exemplos, em casa, do que é ser... HUMANO.


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