Infelizmente, não podemos deixar de fora que, de fato, a percepção da sociedade brasileira em relação ao MST é bastante controversa. Por um lado, existem pessoas que apoiam as lutas do movimento e entendem a importância da reforma agrária para a redução da desigualdade social e para a garantia do direito à terra para quem dela necessita. Por outro lado, há uma parcela da população que vê o MST como um grupo violento e ilegal, que invade propriedades e desrespeita a lei e infelizmente, esse grupo é majoritário e, não raro, se nega a procurar informações neutras, muito menos procurar estudar o movimento, seus ideais e lutas. De fato, essa percepção negativa é, em grande parte, alimentada pela mídia tradicional, que muitas vezes retrata o MST de forma pejorativa e sensacionalista, reforçando estereótipos negativos e associando o movimento a atos de violência e ilegalidade. Esse tipo de abordagem pode contribuir para a formação de opiniões preconceituosas e distorcidas sobre o MST, dificultando o diálogo e a compreensão das demandas e reivindicações do movimento.
(É importante ressaltar que existem exceções na mídia que abordam o MST de forma mais justa e equilibrada, valorizando suas lutas e conquistas em prol da reforma agrária e da produção de alimentos saudáveis e sustentáveis)
Pois bem, na realidade o MST é uma organização pacífica, que busca diálogo com as autoridades e a sociedade para fazer valer seus direitos e reivindicações. Uma das principais conquistas do MST foi a criação de assentamentos, que permitem que famílias que antes não tinham acesso à terra possam produzir alimentos saudáveis e de qualidade.
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Assentamentos no RS são referência em cultivo de orgânicos |
Além disso, o movimento investe na educação de seus integrantes, criando escolas, escolas técnicas e universidades voltadas para a formação de lideranças e técnicos agrícolas. Sim, o MST criou diversas escolas técnicas e universidades em todo o país, voltadas para a formação de militantes e assentados. Dentre as principais, podemos destacar:
Universidade da Terra: Fundada em 1998, em Piraquara, no Paraná, a Universidade da Terra tem como objetivo oferecer formação superior aos militantes do MST e a moradores dos assentamentos, além de promover atividades de pesquisa e extensão. Atualmente, a universidade possui unidades em diversos estados do país, como Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará, e oferece cursos em áreas como Agroecologia, Educação, Saúde e Direito.
Escola Nacional Florestan Fernandes: Criada em 2005, em Guararema, São Paulo, tem como objetivo oferecer formação política e técnica para militantes do MST e de outros movimentos sociais. A escola oferece cursos em áreas como Agricultura, Saúde, Educação e Direitos Humanos, além de promover atividades culturais e políticas.
Escola Latino-Americana de Agroecologia: Fundada em 2007, em Seropédica, no Rio de Janeiro, a "ELAA" tem como objetivo formar lideranças para atuarem na promoção da Agroecologia e da Soberania Alimentar. A escola oferece cursos de nível médio e superior em Agroecologia, além de promover atividades de pesquisa e extensão.
Além dessas, o MST criou diversas outras escolas técnicas e unidades de formação em todo o país, como a Escola Nacional Carlos Marighella, a Escola Nacional Florestan Fernandes da Bahia, a Escola Nacional Florestan Fernandes do Rio Grande do Sul, a Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, entre outras. A maioria dessas escolas oferece cursos técnicos em áreas como Agropecuária, Agroecologia, Meio Ambiente, Saúde e Educação, além de promover atividades culturais e políticas voltadas para a formação dos militantes e assentados.
Atualmente o movimento possui cerca de 350 mil famílias assentadas em mais de 7 mil assentamentos espalhados por todo o país (é importante registrar que esse número pode variar ao longo do tempo devido a mudanças nas políticas governamentais e outras circunstâncias) e esses assentamentos são conhecidos por produzirem alimentos orgânicos de alta qualidade. Esse tipo de agricultura valoriza a biodiversidade e respeita o meio ambiente, além de garantir alimentos mais saudáveis e saborosos para a população. O movimento é um grande defensor da agroecologia e trabalha para difundir essa prática entre seus integrantes e a sociedade em geral e não posso deixar de mencionar as feiras do MST. Em primeiro lugar, trata-se de uma importante estratégia do movimento para comercializar seus produtos e difundir seus ideais. Elas são organizadas em diversas regiões do país e oferecem uma grande variedade de produtos, todos produzidos de forma agroecológica e orgânica, como hortaliças, frutas, cereais, leguminosas, mel, queijos, além de artesanatos e outros produtos típicos de cada região. Algumas das principais feiras do MST são a Feira Nacional da Reforma Agrária, que acontece anualmente em São Paulo, reunindo produtores de todo o país; a Feira Estadual da Reforma Agrária, realizada em diversas capitais e grandes cidades do país; e a Feira da Agricultura Familiar e Reforma Agrária do Rio Grande do Sul (Expointer), que é considerada a maior feira do gênero na América Latina.
A importância dessas feiras para o MST é enorme, pois elas permitem que os produtos dos assentamentos e acampamentos sejam comercializados diretamente com os consumidores, sem a necessidade de intermediação de grandes redes de supermercados e distribuidores, o que garante uma maior margem de lucro para os produtores e um preço mais acessível para o consumidor final. Além disso, essas feiras são uma forma de apresentar à sociedade os ideais do MST e a importância da agricultura familiar e agroecológica para o desenvolvimento sustentável do país, combatendo assim a demonização do movimento. Claro, o MST possui algumas lojas em diferentes regiões do país. Essas lojas comercializam produtos agroecológicos, como hortaliças, frutas, grãos, entre outros, produzidos nos assentamentos e acampamentos do movimento, por exemplo:
ARMAZÉM DO CAMPO: rede de lojas do MST que conta com unidades em diversas cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, entre outras. Além de alimentos orgânicos, a rede também comercializa artesanatos e produtos culturais produzidos pelos militantes do movimento.
Feira da Reforma Agrária: uma iniciativa do MST que acontece em diferentes cidades do país, como São Paulo, Brasília, Recife, Rio de Janeiro, entre outras. Nessas feiras, é possível encontrar uma variedade de produtos orgânicos produzidos pelos assentados e acampados do movimento. Além das lojas e feiras, o MST também mantém parcerias com outras redes de comércio justo e solidário, como a Rede Ecovida de Agroecologia e a Rede de Comercialização Solidária.
Eu jamais poderia deixar de fora deste texto, o fato de que o MST realiza doações de alimentos produzidos em seus assentamentos e acampamentos e essas doações são geralmente destinadas a comunidades carentes, em situações de emergência, como desastres naturais, e também a movimentos sociais em luta por moradia e outros direitos.
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MST doa mais de 100 toneladas de alimentos pelo Brasil. As ações aconteceram entre os dias 10 e 21, durante a Jornada Nacional de Lutas em defesa da Reforma Agrária em abril de 2021, em memória dos 25 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás. |
Não há um número exato de quantas pessoas foram ajudadas pelo MST através dessas doações, mas o movimento tem um histórico de solidariedade com outras lutas sociais e de apoio a comunidades em situações de vulnerabilidade. O movimento também possui diversas parcerias com organizações e entidades da sociedade civil, como sindicatos, pastorais sociais, associações de bairros e outras, para ampliar o alcance de suas ações solidárias. Em maio de 2018, durante a greve dos caminhoneiros em todo o país, o MST realizou doações de alimentos e água para os motoristas em diversos pontos de bloqueio de estradas. Essa ação visava apoiar os caminhoneiros em suas reivindicações e também denunciar a política econômica do governo Temer, que havia levado a aumentos constantes nos preços dos combustíveis e de outros produtos básicos. A ação do MST foi amplamente divulgada na mídia na época.
Infelizmente, o MST também enfrenta muita violência no campo. A maioria dos casos de violência é praticada por latifundiários e seus capangas, que tentam impedir as ocupações e a luta pela reforma agrária. A violência no campo é uma triste realidade no Brasil, que já foi denunciada por organismos internacionais de direitos humanos. A violência no campo é um problema grave no Brasil e afeta principalmente trabalhadores rurais e povos indígenas que lutam por seus direitos à terra e ao meio ambiente. Os conflitos fundiários, a grilagem de terras, a exploração ilegal de recursos naturais, a violência física e psicológica contra trabalhadores rurais e lideranças comunitárias, são algumas das formas de violência que ocorrem no campo. Na maioria absoluta das vezes, essa violência é perpetrada por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros grupos interessados em explorar a terra e seus recursos naturais sem se preocupar com a preservação do meio ambiente e com os direitos dos trabalhadores e comunidades tradicionais. O MST e outras organizações de trabalhadores rurais têm lutado contra essa violência e, claro, pela reforma agrária, reivindicando o direito à terra para quem nela trabalha e vive. No entanto, na maioria das vezes são vítimas da violência perpetrada por grupos contrários à reforma agrária e à democratização do acesso à terra e aos recursos naturais.
É importante destacar que a violência no campo não é apenas um problema social, mas também ambiental. A exploração ilegal de recursos naturais e o desmatamento desenfreado causam impactos significativos no meio ambiente, afetando a biodiversidade, os recursos hídricos e o clima. O MST com suas ações, cobra que o Estado brasileiro adote medidas efetivas para combatê-la, protegendo trabalhadores rurais e comunidades tradicionais e enfim, promover a reforma agrária como uma forma de garantir o direito à terra e ao meio ambiente saudável para todos.
Não podemos esquecer, a Constituição Brasileira reconhece a função social da terra e prevê a desapropriação de propriedades que não cumprem essa função. Para que uma propriedade seja considerada improdutiva, é necessário que ela não esteja cumprindo sua função social, ou seja, não esteja produzindo alimentos e gerando emprego e renda para a população local. A desapropriação de terras é uma ferramenta legal para garantir a função social da propriedade. Ela consiste na retirada da propriedade de um bem de seu dono, mediante indenização justa, para fins de interesse público. No caso da reforma agrária, a desapropriação de terras é uma forma de possibilitar a redistribuição de terras improdutivas para fins de produção agrícola, garantindo o acesso à terra a trabalhadores rurais sem-terra, promovendo a justiça social. Ou seja, a Constituição Federal brasileira de 1988 prevê a desapropriação de terras para fins de reforma agrária e determina que as terras improdutivas devem ser desapropriadas e destinadas à reforma agrária. O processo de desapropriação ocorre quando um imóvel rural é declarado improdutivo ou subutilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ou pelo poder público, e pode ocorrer tanto de forma voluntária, mediante acordo entre o proprietário e o poder público, como de forma judicial, por meio de ação de desapropriação movida pelo governo.
A importância da desapropriação de terras para fins de reforma agrária reside na sua capacidade de garantir a justiça social e promover a inclusão de trabalhadores rurais sem-terra na produção agrícola. Ao possibilitar o acesso à terra e a recursos públicos, como crédito, assistência técnica e infraestrutura, a reforma agrária é uma ferramenta importante para o desenvolvimento rural e a redução das desigualdades sociais no campo, sem contar a maior oferta de alimentos na mesa das famílias brasileiras e também aumentar a exportação; entretanto, a desapropriação de terras à reforma agrária é um processo complexo e muitas vezes enfrenta resistências por parte dos proprietários de terras, que contestam as avaliações de produtividade realizadas pelo INCRA e questionam os valores de indenização oferecidos pelo governo. Além disso, o processo de desapropriação muitas vezes é marcado por conflitos no campo, fruto da resistência dos proprietários e da falta de políticas públicas adequadas para garantir a segurança dos trabalhadores rurais sem-terra durante o processo de ocupação das áreas desapropriadas.
O Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra é uma organização horizontal e coletiva, que valoriza a liderança coletiva e o protagonismo de todas as pessoas envolvidas no movimento, portanto, não há uma figura ou liderança específica que seja considerada a principal porta-voz do MST no debate nacional, contudo, alguns dos principais nomes que têm representado o MST em debates e eventos são João Pedro Stédile, um dos fundadores do movimento e membro da direção nacional; Débora Nunes, membro da direção nacional e responsável pela área de educação do movimento; e Kelli Mafort, também membro da direção nacional e responsável pela área de gênero.
O MST tem sido fundamental nesse processo de mudança, mostrando que é possível produzir alimentos de qualidade de forma sustentável e valorizando a agricultura familiar. O movimento já conseguiu muitas conquistas, mas ainda há muito a ser feito. A sociedade brasileira precisa reconhecer a importância da reforma agrária e apoiar a luta do MST por justiça social no campo.